Menu
Mundo

Missão a Gaza evidencia mudanças no ativismo de Greta Thunberg

“Não importa qual seja a causa do sofrimento: seja o CO?, sejam bombas, seja a repressão estatal ou outras formas de violência, precisamos nos posicionar contra essa fonte de sofrimento”, completou

Redação Jornal de Brasília

10/06/2025 19h56

imagem do whatsapp de 2025 06 10 à(s) 10.25.14 a109f2de

Além de Thiago, a jovem sueca Greta Thunberg estava à bordo (Reprodução/X)

GIULIANA MIRANDA
MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS)

A participação de Greta Thunberg, 22, na missão do barco Madleen -organizada pela Flotilha da Liberdade, coalizão internacional que atua pelo fim do bloqueio israelense à Faixa de Gaza- ajudou a dar mais visibilidade à atuação cada vez maior da sueca em causas que extrapolam o ativismo ambiental que a levou à fama ainda na adolescência.

“Não podemos ter justiça climática sem justiça social. A razão pela qual sou uma ativista climática não é porque quero proteger árvores. Faço isso porque me importo com o bem-estar humano e planetário. E essas questões estão extremamente interligadas”, justificou Greta, em entrevista ao programa Democracy Now no começo da semana.

“Não importa qual seja a causa do sofrimento: seja o CO?, sejam bombas, seja a repressão estatal ou outras formas de violência, precisamos nos posicionar contra essa fonte de sofrimento”, completou.

Escolhida Pessoa do Ano pela revista Time em 2019, aos 16 anos, Greta ganhou os holofotes no ano anterior, quando começou uma espécie de greve escolar. Todas as sextas-feiras, ela protestava em frente ao Parlamento da Suécia contra as alterações climáticas. A ação, iniciada de forma solitária, acabou espalhando-se pelo mundo no movimento Fridays For Future.

O ativismo lhe rendeu convites para falar em grandes eventos, como a conferência do clima da ONU e o Fórum Econômico de Davos, na Suíça, quando Greta reiteradamente usou discursos duros para responsabilizar líderes mundiais pela falta de ação contra a crise climática.

Nos últimos anos, contudo, a jovem vem abraçando publicamente outras causas, inclusive com a participação em movimentos de desobediência civil que provocaram sua prisão ou detenção em várias ocasiões.

Antes da situação na Palestina, Greta já havia manifestado solidariedade à Ucrânia após a invasão da Rússia e, no ano ado, recusou-se a participar da COP29, a 29ª conferência do clima da ONU, realizada em Baku, no Azerbaijão, tecendo duras críticas tanto ao evento quanto ao país anfitrião.

A jovem sueca afirmou que as negociações na conferência ignoravam populações mais vulneráveis e perpetuavam um sistema global de injustiças que favorece elites econômicas. A ativista também classificou como hipocrisia a escolha de um país dependente de combustíveis fósseis e com histórico de repressão a ativistas ambientais como sede do encontro.

Greta acusou ainda o Azerbaijão de promover uma “limpeza étnica” da população armênia na região de Nagorno-Karabakh. Durante a realização da COP29, a jovem sueca participou de protestos na Armênia e na vizinha Geórgia.

Na avaliação de Cristiana Losekann, professora da Universidade Federal do Espírito Santo que pesquisa mobilização social, política ambiental e justiça climática, o posicionamento de Greta se alinha com o que tem sido visto na nova geração de ativistas, que agregam cada vez mais outros temas às discussões ambientais.

A pesquisadora relembra que, historicamente, os movimentos ambientalistas eram focados no conservacionismo, numa forma geral de proteção da natureza, com a questão climática surgindo bem depois.

“Essa juventude entra na pauta ambiental já pela discussão climática. E ela não compartimentaliza. Clima, guerra, desigualdade, identidade: está tudo conectado”, afirmou.

“O giro climático do ambientalismo produz uma entrada diferente. Ele traz explicações interligadas sobre os problemas do mundo”, avaliou Losekann. “Não tem mais como sustentar um ambientalismo desconectado. Essa geração olha para o prato e vê ali o desmatamento, a libertação animal, a dimensão política, religiosa, tudo junto.”

Em todo o mundo, diversos movimentos ambientalistas têm mostrado apoio à população palestina, em meio à escalada da crise humanitária.

Nesta terça (10), repercutindo a situação dos 12 ativistas detidos por forças israelenses na embarcação Madleen, o Observatório do Clima, que reúne 133 organizações ambientalistas no Brasil, lançou um apelo para que o presidente Lula (PT) interrompa a venda do petróleo brasileiro a Israel.

“Lula já condenou o genocídio israelense na Faixa de Gaza, mas o petróleo exportado pelo Brasil e por outros países abastece a máquina de guerra de Binyamin Netanyahu. Em agosto de 2024, uma análise da organização Oil Change International mostrou que o Brasil foi um dos cinco maiores fornecedores de petróleo cru a Israel. O petróleo que polui o planeta também ajuda a causar o massacre ao povo da Palestina”, destacou a entidade.

“Não existe justiça climática sem proteção aos direitos humanos. Uma comunidade internacional incapaz de parar uma limpeza étnica acontecendo em tempo real diante dos olhos de todos não será tampouco capaz de lidar com a crise do clima”, destacou a entidade.

Segundo Losekann, que também é pesquisadora do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas para o Desenvolvimento Sustentável), a postura de ativistas mais jovens, que incorpora as questões identitárias ao debate ambiental, pode acabar favorecendo alguns conflitos no movimento, sobretudo intergeracionais.

“Talvez estejamos assistindo ao início de uma nova clivagem dentro do ambientalismo. Não é mais só de classe, de gênero ou até étnico-racial, mas é uma clivagem de uma geração que vem conectando todos esses problemas socioambientais e vai querer colocar em xeque outra geração.”

Mesmo antes de se engajar com maior afinco em outras causas, o ativismo de Greta já a havia colocado em rota de colisão com vários nomes da política mundial, incluindo o presidente dos EUA, Donald Trump, em seu primeiro mandato, e o então líder brasileiro, Jair Bolsonaro.

A jovem virou alvo de ataques em vários países, principalmente em setores ligados à ultradireita, que disseminam desinformação sobre sua atuação, além de ridicularizações por ela ter síndrome de Asperger, condição do transtorno do espectro autista.

Após ser detida pelas forças israelenses, Greta foi deportada de Israel para a Suécia nesta terça-feira. A viagem de volta à Europa foi feita em um avião, meio de transporte que a ativista insiste em não utilizar por conta das emissões de gases-estufa.

Durante escala em Paris, a jovem afirmou a jornalistas que a detenção foi ilegal. “Fomos sequestrados em águas internacionais e levados contra a nossa vontade para Israel”, disse. “Não infringimos nenhuma lei. Não fizemos nada de errado.”

Participante da mesma missão, o ativista brasileiro Thiago Ávila permanece detido em Israel após se recusar a um documento de deportação.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado