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Política & Poder

Procurador critica sentença e recorre da absolvição de piloto com 435 kg de cocaína

Ao absolver o piloto, o juiz federal cravou que não havia ‘fundada suspeita’ para justificar as buscas no avião e, por isso, em sua avaliação, as provas decorrentes da abordagem foram irregulares

Redação Jornal de Brasília

13/06/2025 21h37

Foto: Reprodução

São Paulo, 13 – O procurador da República Thales Fernando Lima apelou à Justiça Federal para que reforme a sentença de absolvição do piloto Wesley Evangelista Lopes, flagrado em 16 de dezembro de 2024 com 431 quilos de cocaína no avião quando havia acabado de pousar no aeroporto de Penápolis, um pequeno terminal no interior de São Paulo por onde circulam apenas voos privados. Em apelação de 23 páginas, o procurador fustiga a sentença do juiz Luciano Silva, da 2.ª Vara Federal de Araçatuba, que considerou “ilegal” a abordagem à aeronave e anulou todas as provas do processo. O piloto foi solto.

“Trata-se de uma decisão que privilegia o formalismo extremo, dissociado da função social do processo penal, que deve ser compreendido como meio de proteção não apenas de garantias individuais, que evidentemente devem ser observadas, mas também dos interesses difusos e coletivos”, acentua o procurador em apelação de 23 páginas.

Thales destaca que a sentença se choca com “o direito da sociedade a viver em um ambiente seguro, livre da degradação social causada pela narco traficância e atuação de organizações e facções criminosas’. “Por acaso, ou a ser issível, no processo penal, a construção de uma verdade paralela, autossuficiente, fundada não nos fatos, nem na confissão do acusado, nem nas toneladas de provas materiais, mas em um estéril e vazio formalismo?”, questiona.

Ao absolver o piloto, o juiz federal cravou que não havia ‘fundada suspeita’ para justificar as buscas no avião e, por isso, em sua avaliação, as provas decorrentes da abordagem foram irregulares. “A existência da droga no avião não valida o procedimento de busca forçada no avião. É imprescindível que existisse uma suspeita fundada prévia, justificada, para a própria abordagem.”

“O sentimento, ao ler e reler os autos até aquele ponto, é de um livro começado pelo meio”, escreveu o magistrado. “Se inicia com a aeronave dos réus sendo abordada de maneira espetaculosa pela Polícia Militar, sem que exista qualquer motivo claro para a mobilização de diversas forças na captura do avião, senão uma informação reada pela Polícia Federal, cuja origem é ignorada.”

Luciano Silva reconheceu o “caráter criminoso” das atividades do piloto, mas o absolveu.

O procurador não se conforma, por isso apelou. “Não se pode ignorar a repercussão concreta e devastadora que a introdução de quase meia tonelada de cocaína no mercado ilícito traria para a sociedade. É necessário refletir seriamente: quantas vidas poderiam ser ceifadas em razão da disseminação desse entorpecente? Quantas famílias seriam desestruturadas pela dependência química? Quantos delitos secundários, furtos, roubos, homicídios, violência doméstica e desagregação social, seriam fomentados como externalidade direta desse carregamento de drogas">

Thales Fernando Lima assinala que “o tráfico de drogas, especialmente em escala industrial, não é um crime de vítima individualizada, mas sim um fenômeno que irradia efeitos deletérios sobre toda a coletividade”.

“Cada grama de cocaína que circula no mercado ilícito representa risco à vida, à saúde e à dignidade de centenas ou milhares de pessoas, especialmente das camadas sociais mais vulneráveis, que são as primeiras a sofrer os efeitos da disseminação da droga, seja na condição de usuários, seja na de vítimas indiretas da criminalidade fomentada pelo tráfico”, alerta o procurador.

Segundo seu entendimento ‘o custo social disso é imensurável, mas também é econômico e objetivo.”

Ele pontua que ‘os impactos do tráfico de drogas para o Estado são profundos, repercutindo na sobrecarga do sistema de saúde pública – pelo atendimento de usuários dependentes -, no aumento da demanda do sistema de segurança pública e no sistema prisional, e também no enfraquecimento dos vínculos sociais e comunitários’. “São custos que a coletividade arca, enquanto organizações criminosas se enriquecem às custas do sofrimento humano”, segue. “Nesse contexto, não é possível itir que, diante da apreensão de quase meia tonelada de cocaína em uma única operação, que por si só configura um golpe significativo contra o tráfico organizado, se priorize uma interpretação maximalista das exigências formais relativas à documentação da atividade policial, especialmente quando há, nos autos, elementos objetivos e suficientes que atestam a legalidade e a razoabilidade da diligência.”

O procurador aponta transgressão ao artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb). “Ao adotar uma leitura que sobrepõe exigências burocráticas formais à proteção de bens jurídicos de primeira grandeza, como a saúde pública, a vida e a segurança coletiva, a sentença viola frontalmente o comando normativo do artigo 5º, da Lindb, segundo o qual ‘na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’.”

“Não se pode perder de vista que o que estava em jogo era a apreensão de aproximadamente meia tonelada de cocaína, substância cujo poder destrutivo sobre vidas humanas, famílias e comunidades é absolutamente incontestável”, ressalta Thales Lima “A simples ponderação sobre quantas vidas poderiam ser ceifadas, quantas famílias seriam destruídas e quantos delitos secundários, homicídios, furtos, roubos, violência doméstica, tráfico de armas, seriam fomentados pela introdução dessa droga no mercado ilícito é suficiente para revelar a gravidade do desacerto da sentença.”

Segundo o procurador, ‘a prevalecer o entendimento absolutório, transmite-se à sociedade a mensagem perversa de que, ainda que se capturem drogas em quantidade suficiente para suprir mercados ilícitos inteiros, a persecução penal será obstada por formalismos que, embora mereçam cautela, não podem se sobrepor à defesa do bem jurídico mais relevante protegido pela Lei 11 343/06 (Lei de Drogas): a saúde pública, a integridade da vida e a paz social’.

O procurador considera que a manutenção da sentença representaria ‘não apenas um gravíssimo precedente jurídico, mas também um verdadeiro atentado contra a própria noção de justiça e contra o pacto civilizatório que sustenta o Estado Democrático de Direito’

Confissão

Thales Lima aponta para um outro detalhe do episódio: o piloto confessou o crime. “Há um aspecto que torna a sentença ainda mais desconcertante sob qualquer perspectiva que se adote: a completa e absoluta ausência de prejuízo à ampla defesa e ao contraditório. É preciso lembrar, e isso não é detalhe, que o próprio acusado, tanto em sede policial, quanto em juízo, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, confessou a prática do crime. Repetindo: confessou.”

A sentença afirma, segundo o procurador, “com toda convicção, que a ausência de um ato formal prévio que documentasse a fundada suspeita compromete irremediavelmente a validade da prova e, com isso, da própria acusação”.

“Ora, pergunte-se: desde quando a ausência de catalogação procedimental de atos istrativos, que serviria tão somente para burocratizar aquilo que é evidente, tem o condão de anular a realidade?”, indaga.

“Por acaso, ou a ser issível, no processo penal, a construção de uma verdade paralela, autossuficiente, fundada não nos fatos, nem na confissão do acusado, nem nas toneladas de provas materiais, mas em um estéril e vazio formalismo?”, segue o procurador. “Não há aqui qualquer violação às garantias fundamentais da defesa. O réu sabia exatamente do que estava sendo acusado, teve pleno o aos elementos probatórios, pôde se manifestar sobre eles e, mais do que isso, itiu, espontaneamente, sua responsabilidade penal.”

Para o procurador do Ministério Público Federal, “insistir na tese de que houve cerceamento de defesa é não apenas juridicamente insustentável, mas um exercício de negação da própria finalidade do processo penal”.

“É transformar o processo, que deveria ser um instrumento de realização da justiça, em um ritual autofágico, que se volta contra seus próprios objetivos e, ao final, serve apenas para premiar o crime e punir a sociedade”, afirma. “Sob uma perspectiva filosófica, inescapável em casos desse jaez, não se pode ignorar que este quadro reflete, com inquietante precisão, aquilo que Nietzsche denuncia em sua obra Genealogia da Moral: os efeitos degenerativos de uma razão excessivamente formalista, marcada pela incapacidade de distinguir entre o meio e o fim, pela substituição do conteúdo pela forma e pela abdicação da busca pela verdade em favor da preservação de ritos estéreis.”

Estadão Conteúdo

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