Sete décadas após sua publicação, o clássico ‘A Falecida’, de Nelson Rodrigues, continua provocando reflexões sobre desejo, frustração e decadência social. A nova montagem, idealizada e dirigida por Sergio Módena, traz Camila Morgado no papel da trágica Zulmira. O clássico rodrigueano chega agora à capital do País, com o patrocínio da Caixa Cultural, em apresentações até este domingo (16) na Caixa Cultural Brasília.
“Nelson Rodrigues é um escritor que sempre li e quis fazer, de uma importância imensa para nossa cultura e formação. Popular e erudito em sua escrita, revolucionou o teatro brasileiro. Sinto que montar Nelson, um texto clássico de nossa dramaturgia, é revisitar nossa história e também nosso processo cultural”, reflete Camila Morgado sobre a importância da peça.

Classificada pelo crítico Sábato Magaldi como uma das “Tragédias Cariocas” de Nelson Rodrigues, a peça acompanha Zulmira, uma mulher tuberculosa e amargurada que nutre um desejo peculiar: um enterro luxuoso capaz de despertar inveja em sua prima Glorinha. Para realizar esse sonho fúnebre, ela convence o marido Tuninho, um apostador compulsivo e desempregado, a pedir dinheiro ao milionário Pimentel. O pedido é inusitado e beira o absurdo—35 mil cruzeiros, um valor desproporcional para a época, em que funerais custavam menos de mil cruzeiros.
“Quando lemos Nelson, vemos que os personagens perseguem valores morais, mas sentem também um prazer mórbido em transgredi-los. São dominados pela violência da paixão, pela obsessão, pela loucura. São movidos por forças legítimas da natureza humana, instintivas. Muitos negam a racionalidade, a sensatez, o equilíbrio. Portanto, falar da dignidade de Zulmira neste universo rodrigueano é algo delicado. Zulmira busca o respeito, a dignidade, a felicidade em um ideal inalcançável”, comenta Camila sobre a complexidade de sua personagem.
Após a morte de Zulmira, Tuninho descobre que sua esposa e Pimentel eram amantes. O viúvo aproveita a situação para extorquir o empresário, mas, em vez de usar o dinheiro para garantir o enterro dos sonhos da esposa, ele aposta tudo em um jogo de futebol. O desfecho é um retrato cruel e cínico da realidade brasileira, característica marcante da dramaturgia de Nelson Rodrigues.

A nova montagem de “A Falecida” estreou em agosto de 2023 no Sesc Santo Amaro, em São Paulo, com temporada de dois meses e sessões lotadas. Em fevereiro de 2024, a peça chegou ao Rio de Janeiro, no Teatro Copacabana Palace, com patrocínio da Vivo via Lei Rouanet, repetindo o sucesso da capital paulista. O espetáculo também teve destaque na FITA 2023, onde recebeu cinco indicações e conquistou os prêmios de Melhor Espetáculo – Júri Popular e Melhor Atriz Coadjuvante para Stela Freitas.
Camila também destaca como a obra dialoga com questões contemporâneas. “A peça aborda questões muito boas como o apagamento feminino dentro desta sociedade construída pelos homens e para os homens na qual vivemos e também o fundamentalismo religioso como uma obsessão, um salvamento, uma idealização de um mundo melhor e sem culpa.”
Para a atriz, Zulmira é uma das personagens femininas mais complexas de Nelson Rodrigues. “Ela transita por diferentes temperaturas como a raiva, obsessão, inveja, amor, desejo, ódio. Ela enxerga no luxo do seu enterro uma oportunidade de ter um holofote sobre si, como se finalmente aparecesse a chance de ser olhada, irada e reverenciada. Uma forte simbologia sobre o apagamento do feminino.”
A turnê seguiu com apresentações esgotadas no Sesc Palladium, em Belo Horizonte, e no Festival Sesc de Inverno 2024, ando por Teresópolis e Petrópolis. Em novembro do mesmo ano, a peça percorreu o Rio Grande do Sul, ando por Porto Alegre, Caxias do Sul, Lajeado, Pelotas e Novo Hamburgo. Já em janeiro de 2025, “A Falecida” chegou ao interior paulista, com sessões no Sesc Franca, Sesc Campinas e Sesc Rio Preto.
Para Camila, o teatro ocupa um lugar especial em sua carreira. “Gostaria de deixar claro que eu gosto tanto do teatro, quanto do cinema e da televisão. São lugares que me inspiram bastante e me permitem enxergar um pouco mais das obscuridades de que somos feitos. Mas, quando falamos do teatro, existe sim, algo que podemos chamar de mágico, que é a relação com o público, a plateia. Esta relação é muito profunda e sutil porque ela não se repete, cada dia será diferente e cada dia ela é feita pelos atores e pelo público. Juntos. A outra coisa é a presença física, corpórea de todos os envolvidos. Nos dias de hoje, tão digitais, o corpo presente é uma experiência que nos ajuda e nos transforma.”
Serviço:
A Falecida
Local: Caixa Cultural Brasília
Dias: de 11 a 16 de fevereiro de 2025
Classificação: 16 anos
Duração: 80 minutos
Informações: 61 3206-9448